quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Desejos simples...


Uma reflexão sobre os desejos simples do cidadão brasileiro. O avião sair no horário combinado e anotado no bilhete, o hospital possuir um leito e um médico, a estrada ser conservada e sem buracos, o trânsito fluir com mínimo de normalidade, sair de casa à qualquer hora e voltar com sua integridade física e moral. O Presidente da República torna pública sua opinião de que o povo brasileiro já tem o básico. O cidadão comprou uma geladeira em doze prestações, mas seu filho estuda em uma escola pública precária, a mulher da comunidade comprou um celular novo, mas o esgoto corre em sua porta. Ano Novo sugere desejos, planos e realizações. Presidente, reflita sobre o que é básico para um povo, uma nação. Delírios de consumo são válidos para qualquer ser humano, mas cabe ao estado criar a estrutura básica e os serviços públicos funcionando com dignidade e eficiência. Um Feliz Ano Novo para um povo de desejos tão simples e líderes tão mesquinhos.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

O bom velhinho...


Olhava a esquina ao engraxar meu sapato na cidade, de frente para a rua, e ví um senhor bem idoso, bem maltrapilho, cabelos brancos, pedindo esmola entre os carros. Fim de tarde chuvosa, as pessoas dando a mínima, em meio a correria dos presentes de Natal, das guloseimas, e o velhinho alí, com um olhar perdido. Fiquei refletindo, enquanto a flanela lustrava meu sapato; exatamente em que momento da vida, ele desistiu, exatamente em que dia, ele parou de lutar, nasceu nú como nós, por mais miserável, alguma esperança de vida deve ter acontecido no seu nascimento. Abandonado, sobreviveu até os cabelos brancos. Não costumo dar esmolas, por acreditar que meus impostos devem suprir esta lacuna e não tenho culpa dos safados que desviam o dinheiro desta gente humilde, mas confesso que após o término do brilho no sapato, corrí para dar-lhe um pouco de atenção, mas já havia sumido na multidão frenética das compras de Natal. Imagine como é duro você parar um pouco e tentar adivinhar o que aqueles olhos sofridos esperam de uma noite como esta, em que a regra é o aconchego da família. Posso não ter tudo, mas hoje a noite terei um beijo carinhoso do meu filho, de minha mãe e de alguns bons amigos. Resolví pensar naquele velhinho hoje à meia noite, ele jamais saberá, mas terá dado um sentido divino ao meu Natal.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Alma carioca...



O ônibus de integração do metrô estava relativamente vazio. Um final de dia da semana como outro qualquer. Pessoas comuns, cenas corriqueiras e rostos vazios impacientes com o trânsito sempre caótico do anoitecer. Vozes, uma lamúria prevista de um trabalhador idoso reclamando do atraso do salário. Desembarque do ônibus, embarque no vagão do metrô. De repente um alarido adolescente, alegre, irreverente. Tentavam entoar trechos eruditos como um tenor pouco provável e desafinados. Olhei ao redor e as pessoas um pouco constrangidas com a demonstração gratuita de alegria, porém inábeis na afinação. Eis que ao fundo, surge uma voz precisa, forte e afinada, justamente do trabalhador lamuriante. Transformação imediata em cantor lírico competente, o vagão inteiro rendendo homenagens nas fisionomias ora alegres, ora surpresas. Até mesmo os sonolentos, os de péssimo humor começaram a se render com a alegria e o ritmo contagiante do cantor popular. Pessoas que jamais se viram, adolescentes e idosos, em uma harmonia expontânea, apesar das dores do cotidiano. Seria no metrô de Paris, Nova York ou no metrô carioca mesmo, que apesar de um povo sofrido, ainda damos um banho de humanidade.